Andarilhos virtuais...

23 de junho de 2008

Dia errado

Na verdade o título deveria ser dia do azar. Não acredito em superstições. Porém, em plena segunda-feira, acordei com o pé esquerdo. Tudo deu errado. Eu ainda estava deitada e escutando um barulho distante. O som era de uma galinha desesperada que protegia seu ninho. Achei que era coisa do meu inconsciente ou, talvez, um sonho. Mas era a droga do meu despertador cacarejando no meu ouvido – devo confessar que esse despertador tem um som estranho mesmo. Meus olhos abriram e fecharam lentamente e, por alguns segundos, esqueci do mundo. Sonhei com algodão-doce, viagens, nuvens cor-de-rosa, deuses mitológicos, ninfas, duendes (que pareciam extraterrestres), unicórnios e até gato preto. Quando vi os olhos brilhantes do felino, quase caí da cama. Levantei num salto e fui rodopiando até o banheiro. Meu coração estava à mil por hora e parecia que a casa toda girava.
Puxa! Eu só tinha 13 minutos para me arrumar e não perder o ônibus. Vesti a roupa, não escovei os dentes e muito menos penteie os cabelos. Bom, depois de todo esse esforço consegui abrir o portão e, para minha infelicidade, assisti lá da rua todos os passageiros do ônibus de Nerópolis me mandando tchauzinho. Não queria acreditar, mas eu tinha acabado de perder o ônibus.
Então, já que o coletivo havia passado direto e o próximo só viria daqui meia-hora, fui em casa tirar a remela dos olhos. Nesse momento vários pensamentos ruins rondaram minha cabeça e até desejei o mal para o coitado do motorista. Me arrependi por ter pensado nisso, mas minha vó dizia que, quando sentimos culpa de algo, devemos bater na madeira. E foi exatamente isso que eu fiz – os povos primitivos pagãos também tinham esse costume. Ou seja, para eles as árvores eram a morada dos deuses e, quando alguém batia na madeira, era para invocar as divindades e pedi perdão.
Fui correndo lavar o rosto. E, quando olhei no espelho, minha blusa estava do lado do avesso. Durante alguns minutos de reflexão, senti um medo tremendo dessas superstições e crenças.
No entanto, eu não poderia perder mais tempo. Lavei o rosto e vesti a blusa do lado certo. Finalmente, consegui chegar no ponto de ônibus. Para variar, havia uma companhia não muita agradável naquele lugar. Educadamente, falei bom dia. Ele respondeu fazendo um gesto só com os olhos. Logo percebi que o homem estava bêbado.
- Era só o que me faltava – pensei.
Lá no setor todos chamam ele de Zoim. Então, ele desabafou:
- Sabe, hoje meu dia não começou muito bom.
Eu não estava com a mínima vontade de conversar com um bêbado. Mesmo assim, ele continuou a dialogar:
- Que horas são? É que meu relógio parou.
Vixe. Pensei: dizem que qualquer objeto que não tem mais utilidade e a pessoa continua fazendo uso dessa coisa dá azar.
- São sete e trinta e cinco – respondi.
O ônibus estava atrasado e eu não via a hora de me livrar daquele papo. Porém, Zoim falou decidido:
- A parti de hoje, eu não bebo mais.
Claro que eu fiquei com pena, pois todos que o conhecem sabem que ele é um alcoólatra e várias vezes seus familiares tentaram interná-lo. Entretanto, nada disso adiantou.
- Lá vem o ônibus – Zoim resmungou.
- Graças a Deus – pensei.
O coletivo estava entupido de tanta gente. Me senti como uma sardinha enlatada. Mas tudo bem. Pelo menos eu chegaria a tempo no trabalho. Detalhe: atrasei dez minutos. Por causa desses míseros minutos, o porteiro não me deixou entrar. Se ele soubesse a dificuldade que enfrentei, com certeza, ele sentiria pena. Claro que eu sabia dos quinze minutos de tolerância. Mas, segundo o porteiro, as regras da empresa mudaram. E, quase chorando, perguntei:
- O que vou fazer agora?
Então, o porteiro respondeu:
- Ué, você pode voltar amanhã.


(Edição especial sobre "Crônicas do cotidiano")


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