Andarilhos virtuais...

23 de junho de 2008

FOFOQUEIRAS NÃO, BEM INFORMADAS

Sentadas no banco da praça de uma cidade do interior, três vizinhas aproveitam o finalzinho de domingo para fofocar. Todos ali se conhecem. Porém, as pessoas mais devassas, namoradeiras e cachaceiros são as figuras que mais têm "fama" na pequena cidade.

As línguas afiadas das vizinhas não perdoam ninguém, nem mesmo o coitado do padre. Logo após o padre Pedro ter cumprimentado as três fofoqueiras, a primeira mulher deu um tapinha na perna da outra e começou a comentar:

- Sabe o padre Pedro? Pois é, eu ouvi falar que ele anda freqüentando a casa da Rosalinda.

- Ah, minha nossa senhora isso não pode ser verdade – afirma a segunda vizinha indignada.

- É, eu também ouvi essa conversa – diz a terceira mulher – e ainda me disseram que ele vai na casa dela toda terça e sexta-feira.

- Minha virgem Maria, mãe de Jesus, eu não quero acreditar numa história dessas – diz a segunda fofoqueira.

Rosalinda era a mulher mais mal falada da cidadezinha. Depois que o marido a abandonou ela nunca mais foi a mesma. Todas as noites ela enche a cara e volta para casa sempre acompanhada, só que cada dia com um homem diferente.

As fofoqueiras caíram na risada. No entanto, a terceira mulher, considerada a mais bem informada de toda a redondeza, parou de gargalhar, respirou fundo e disse:

- Me contaram outras coisas sobre essa mulherzinha. Pelo que sei, o prefeito vai na casa dela toda segunda e quinta-feira. E fica lá horas e horas. Já na quarta e no sábado é a vez do borracheiro. Eu acho que no domingo nenhum homem vai visitá-la. Afinal, ela precisa descansar pelo menos uma vez na semana.

A segunda fofoqueira, que fingiu o tempo todo de desentendida, resolveu participar da fofoca:

- Eu não queria falar, mas é que minha língua está coçando...

- Fala! Fala! Fala! – gritaram a primeira e a terceira mulher.

- Tudo bem, tudo bem eu vou falar. É que a Rosalinda teve um filho esses dias – afirma a segunda vizinha.

- Vixe. E quem é o pai? – perguntou a primeira fofoqueira.

- Ninguém sabe. O pior é que fizeram o exame de DNA do padre, do prefeito e do borracheiro, mas nenhum deles são os pais. Porém, o menino se parece com cada um dos três homens.

A terceira vizinha caiu na gaitada e disse:

- Ah, eu sei quem é o pai. É o Tiquim.

- TIQUIM? – perguntou a primeira mulher.

- Sim. TIQUIM de um, TIQUIM de outro...


(Edição especial sobre "Crônicas do cotidiano")


Dia errado

Na verdade o título deveria ser dia do azar. Não acredito em superstições. Porém, em plena segunda-feira, acordei com o pé esquerdo. Tudo deu errado. Eu ainda estava deitada e escutando um barulho distante. O som era de uma galinha desesperada que protegia seu ninho. Achei que era coisa do meu inconsciente ou, talvez, um sonho. Mas era a droga do meu despertador cacarejando no meu ouvido – devo confessar que esse despertador tem um som estranho mesmo. Meus olhos abriram e fecharam lentamente e, por alguns segundos, esqueci do mundo. Sonhei com algodão-doce, viagens, nuvens cor-de-rosa, deuses mitológicos, ninfas, duendes (que pareciam extraterrestres), unicórnios e até gato preto. Quando vi os olhos brilhantes do felino, quase caí da cama. Levantei num salto e fui rodopiando até o banheiro. Meu coração estava à mil por hora e parecia que a casa toda girava.
Puxa! Eu só tinha 13 minutos para me arrumar e não perder o ônibus. Vesti a roupa, não escovei os dentes e muito menos penteie os cabelos. Bom, depois de todo esse esforço consegui abrir o portão e, para minha infelicidade, assisti lá da rua todos os passageiros do ônibus de Nerópolis me mandando tchauzinho. Não queria acreditar, mas eu tinha acabado de perder o ônibus.
Então, já que o coletivo havia passado direto e o próximo só viria daqui meia-hora, fui em casa tirar a remela dos olhos. Nesse momento vários pensamentos ruins rondaram minha cabeça e até desejei o mal para o coitado do motorista. Me arrependi por ter pensado nisso, mas minha vó dizia que, quando sentimos culpa de algo, devemos bater na madeira. E foi exatamente isso que eu fiz – os povos primitivos pagãos também tinham esse costume. Ou seja, para eles as árvores eram a morada dos deuses e, quando alguém batia na madeira, era para invocar as divindades e pedi perdão.
Fui correndo lavar o rosto. E, quando olhei no espelho, minha blusa estava do lado do avesso. Durante alguns minutos de reflexão, senti um medo tremendo dessas superstições e crenças.
No entanto, eu não poderia perder mais tempo. Lavei o rosto e vesti a blusa do lado certo. Finalmente, consegui chegar no ponto de ônibus. Para variar, havia uma companhia não muita agradável naquele lugar. Educadamente, falei bom dia. Ele respondeu fazendo um gesto só com os olhos. Logo percebi que o homem estava bêbado.
- Era só o que me faltava – pensei.
Lá no setor todos chamam ele de Zoim. Então, ele desabafou:
- Sabe, hoje meu dia não começou muito bom.
Eu não estava com a mínima vontade de conversar com um bêbado. Mesmo assim, ele continuou a dialogar:
- Que horas são? É que meu relógio parou.
Vixe. Pensei: dizem que qualquer objeto que não tem mais utilidade e a pessoa continua fazendo uso dessa coisa dá azar.
- São sete e trinta e cinco – respondi.
O ônibus estava atrasado e eu não via a hora de me livrar daquele papo. Porém, Zoim falou decidido:
- A parti de hoje, eu não bebo mais.
Claro que eu fiquei com pena, pois todos que o conhecem sabem que ele é um alcoólatra e várias vezes seus familiares tentaram interná-lo. Entretanto, nada disso adiantou.
- Lá vem o ônibus – Zoim resmungou.
- Graças a Deus – pensei.
O coletivo estava entupido de tanta gente. Me senti como uma sardinha enlatada. Mas tudo bem. Pelo menos eu chegaria a tempo no trabalho. Detalhe: atrasei dez minutos. Por causa desses míseros minutos, o porteiro não me deixou entrar. Se ele soubesse a dificuldade que enfrentei, com certeza, ele sentiria pena. Claro que eu sabia dos quinze minutos de tolerância. Mas, segundo o porteiro, as regras da empresa mudaram. E, quase chorando, perguntei:
- O que vou fazer agora?
Então, o porteiro respondeu:
- Ué, você pode voltar amanhã.


(Edição especial sobre "Crônicas do cotidiano")