Andarilhos virtuais...

17 de março de 2008

João Victor na pele de Ícaro

Os últimos acontecimentos envolvendo o garoto João Victor Portelinha causaram reviravoltas e reflexões sobre a facilidade de ingressar em faculdades particulares. A história do menino de oito anos recorda um personagem da Grécia antiga, cujo nome era Ícaro. O mito de Ícaro pode ser comparado com pessoas vítimas de projetos ambiciosos.
Conta-se a lenda que esse personagem mitológico ficou famoso pela sua queda no mar Egeu. Isso porque Ícaro e seu pai, Dédalo – um dos homens mais inteligente, habilidoso e responsável pela construção do labirinto que aprisionava o terrível Minotauro –, foram condenados a prisão eterna pelo rei Midas. Então, Dédalo e seu filho iniciam uma fuga por via aérea. Depois de terem arrancado as penas de vários pássaros, projetaram asas e fixaram com cera.
Antes do vôo, Dédalo advertiu seu filho de que deveria voar não muito alto, por causa do calor do sol. Nem tão baixo, para o mar não molhar as asas. Os dois voavam e, pela primeira vez, se sentiram como deuses pensando que, talvez, tinham dominado todo o ar. Mas Ícaro, fascinado pelo esplendor do sol, se elevou em demasia no céu. Logo toda cera fixada nas asas se derreteram e o pobre garoto caiu no mar Egeu.
Que história! Acho que agora ficou mais claro de entender onde eu quero chegar. Sem sombra de dúvidas, João Victor foi vítima de sua própria precipitação. Tudo tem sua hora. Depois da fama momentânea, o surgimento de tristezas e frustrações intelectuais pode aparecer logo em seguida. O "fracasso" tem lá seus benefícios, pois ele desperta e estimula. O sucesso fácil também é bom, mas embriaga e envaidece demais as pessoas.
João Victor não tem culpa. Ele foi seduzido pelo seu sonho e topou em participar juntamente com seu pai nessa incrível aventura. Assim como Dédalo, o pai de João Victor usou toda a criatividade e preparou o vôo do seu filho para queda. A única coisa a se fazer agora é recomeçar. Só que dessa vez eles devem usar outras armas, algo que seja mais do que plumas e ceras.


1 de março de 2008

Amor impossível

Poucos mortais conhecem a história da Eco. Mas até hoje a deusa existe e está presente em nossas vidas. É possível encontrá-la em lugares distantes e solitários das montanhas. Onde vários sons, rumores, ruídos e os cantos lamentosos dos pássaros são imitados e repetidos. Ela segue todas as pessoas que caminham próximo do seu lar e brinca livremente dando nova vida as vozes que vem de longe para visitá-la. Ela se sente feliz quando ouve as crianças brincando e sempre responde seus risos alegres, mas também as assusta com os arremedos fantasmagóricos que à noite faz ressoar.
Esse é o pesadelo vivenciado pela ninfa Eco, cuja maldição terrível transformou sua vida numa tristeza sem fim. As carnes do seu corpo se definharam e desapareceram inteiramente. Os ossos viraram rochedos e a única coisa que restou foi a voz. Antes da maldição, todos os deuses e mortais eram contagiados com sua energia festiva e encantadora.
Mas num belo dia Eco despertou ira e ódio de Hera (Juno), rainha dos deuses. Tudo porque a deusa ciumenta procurava exaustivamente seu promíscuo marido - Zeus (Júpiter) - que, escondido, se divertia com as jovens ninfas.
Porém, Eco tentou salvar a pele de Zeus e deteve a deusa possessiva com sua conversa, até que as amantes fugissem para algum lugar seguro. Hera, inconformada com a trapaça, amaldiçoou impiedosamente a tagarela ninfa. E disse que a partir daquele momento ela só repetiria a última palavra que seus ouvidos escutassem.
A ninfa caminhava pelo bosque se sentindo mutilada e, quando viu passar o belo Narciso, logo compreendeu que morreria se não conquistasse seu amor. A partir daquele instante ela precisava, ao menos, vê-lo todos os dias. Era um amor platônico, irrealizado e impossível. Mas ela insistia e sonhava que, em algum momento, eles poderiam se juntar e ter uma vida feliz. No entanto, Narciso foi cruel e desprezou a pobre ninfa. Então, Eco ocultou sua dor na solidão dos penhascos e montanhas, nas cavernas e bosques, no escuro profundo das florestas e fazendas.
Os dias foram passando e Narciso não dava a mínima para o amor verdadeiro de Eco. Várias ninfas que também se apaixonaram e foram rejeitadas por ele desejaram que os deuses o punisse. A furiosa ninfa castigou completamente Narciso, fazendo ele sentir o gostinho da ânsia de uma paixão não correspondida. Assim, Narciso inicia um louco amor por si mesmo.
Certo dia, cansado e com sede depois da caça, ele curvou-se sobre a fonte para beber. Mas se surpreendeu ao ver, através da água, aqueles olhos que encontravam aos seus. Ele sorria e os lábios correspondiam e se entreabriam noutro sorriso. Ele erguia os braços e a imagem repetia o gesto. Por fim, o presunçoso deus tentou agarrar e beijar aquela incrível criatura. Mas foi tudo em vão, pois aquele ser era seu próprio reflexo. E assim, depois de vários dias sem comer e dormir, sua alma mergulhou para o reino de Plutão – deus dos mortos. As ninfas vingativas procuraram em todos os cantos o odioso corpo – prepararam até uma pira funerária com suas próprias mãos. Antes que isso acontecesse, o deus do Olimpo transformou o belo jovem numa flor branca, do qual recebeu o nome de Narciso.

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Muitas vezes relembro aquele dia

Em que fui despertada a vez primeira

Do meu sono profundo. Sob as folhas

E as flores, muitas vezes meditei: Quem era eu? Aonde ia? De onde vinha?

Não distante de mim, doce ruído

De água corrente vinha. De uma gruta

Saía a linfa e logo se espalhava

Em líquida planície, tão tranqüila

Que outro céu tranqüilo parecia.

Com o espírito incerto caminhei e fui

Na verde margem repousar do lago

E contemplar de perto as claras águas

Que eram, aos meus olhos, novo firmamento.

Ao debruçar-me sobre o lago, um vulto

Bem em frente de mim apareceu

Curvado para olhar-me. Recuei

E a imagem recuou, por sua vez.

Deleitada, porém, como que avistava

Novamente eu olhei. Também a imagem

Dentro das águas para mim olhou,

Tão deleitada quanto eu, ao ver-me.

Fascinada, prendi na imagem os olhos

E, dominada por um vão desejo,

Mais tempo ficaria, se uma voz

Não se fizesse ouvir, advertindo-me:

"És tu mesma que vês, linda criatura."

Paraíso Perdido, Livro IV

John Milton