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3 de abril de 2008

Circe, a malvada



Tela: Wright Barker

Circe, a célebre bruxa, desempenha um papel importantíssimo no livro de Homero (Odisséia). A história narra a viagem e as dificuldades que Odisseu (Ulisses) enfrentou antes de regressar para sua ilha Ítaca. E uma de suas paradas foi no palácio da feiticeira Circe, filha do sol.
Sob comando de Ulisses, seus companheiros foram em busca de hospitalidade. Nas redondezas do palácio encontraram diversos animais que, por natureza, deveriam ser selvagens. Mas os leões, tigres e lobos eram tão mansos que pareciam gatinhos indefesos. Não dando importância aos “bichinhos”, os companheiros do herói entraram no palácio. A deusa serviu a todos com bebidas e iguarias. Detalhe: a tripulação de Ulisses não sabia que Circe era feiticeira e tomou um licor encantado. Os corajosos aventureiros foram transformados em porcos. Eurícolo conseguiu fugir da armadilha. Apressou-se em voltar para o navio e relatou aquilo que vira. Ulisses dirigiu-se até o palácio e convenceu a bruxa para que desfizesse todo o feitiço. Logo, o herói trouxe seus soldados de volta para os navios sãos e salvos.
Essa foi à história narrada por Homero, mas o pensador La Fontaine conta uma versão totalmente diferente. Ou seja, através de suas fábulas, o escritor tomou como tema a mitologia clássica e reconstruiu, de modo reiventivo, muitas dessas lendas. E uma delas diz respeito aos companheiros de Ulisses (lenda já citada acima). A diferença é que seus amigos foram metamorfoseados em ursos, leões e lobos. Porém, eles se recusaram voltar à espécie antiga. A explicação de um dos homens que fora transformado em rei das selvas foi a seguinte:

“Perder garras e juba?
Posso com estas presas
A postas reduzir
A quantos temerários
Me ousarem agredir.
Rei sou – voltando a homem,
Também volto a soldado.
Para ser simples vassalo,
Não vão me mudar de estado.”

Ulisses ficou perplexo, mas não desistiu das perguntas. Dirigiu-se ao urso e tentou convencê-lo a voltar sua forma anterior. O urso respondeu irritado:

“Não vês que sou urso!?
Eu tenho o feitio que Deus dar-me quis,
Quem acha dos homens mais bela a figura?
Quem é que da nossa te arvora em juiz?
Oh! Deixe-me; vai-te; prossegue o teu rumo.
Se – sob este aspecto – não gostas de mim
Eu vivo contente, sou livre e não sinto
Tirar-me o sossego, pensão, nem cuidado;
Rejeito a proposta; não mudo de estado.”

Sua última pergunta foi para o lobo. Pediu para que abandonasse a floresta e se despisse da pele nojenta. O lobo respondeu uivando:

“Ai, que vai torta!
Já se viu maçada igual!
Quem és tu, que ousas tratar-me
De carnívoro animal?
Quem deste modo me increpa
Pouparia as ovelhinhas?
Se eu homem fosse, as poupara,
Menos, que as feras daninhas?
Por uma palavra, às vezes,
Não vos matais mutuamente,
Fazendo o papel de lobos,
Perdendo os foros de gente?
Eu penso, por fim de contas,
Que, malvado por malvado,
Melhor é lobo, que gente
Não quero mudar de estado.”

Assim, como na mitologia clássica, o fantástico mundo das fábulas também traz várias lições de moral. Ulisses termina a história frustrado por não ter trazido seus amigos de volta para o estado físico original. Então, ele deixa uma mensagem interessante:

“Torna-se em homens,
Quem diz? Não querem,
Ser sempre fera
Todos preferem
Matar a fome
Seguir o instinto
Vagar das selvas
No labirinto;
Eis as delícias
Da estulta grei
Surda a incentivos
Rebeldia à lei
Julgam ser livres
Nas solidões
Cevando, as soltas,
Brutais paixões.
Curto bestunto
De bichos bravos!
Dos próprios vícios
São mais que escravos.

As fábulas contêm milhares de ensinamentos. Através delas você identifica a cobiça, vaidade, preguiça, mesquinhez, avareza e a corrupção. La Fontaine usa os bichos como protagonistas em seus textos morais.
Na visão satírica do pensador francês, a mensagem deixada pelos companheiros de Ulisses foi que, para eles, é melhor ser bicho. Isso porque os aventureiros temiam perder a força animal que adquiriram com a transformação.
Os soldados sonhavam com a liberdade. Ou seja, sendo senhores da floresta não precisavam mais de se preocupar em pagar pensão, trabalhar ou voltar a ser vassalos.


Um comentário:

Saulo disse...

Não aparenta o que pensa!!