Andarilhos virtuais...

1 de março de 2008

Amor impossível

Poucos mortais conhecem a história da Eco. Mas até hoje a deusa existe e está presente em nossas vidas. É possível encontrá-la em lugares distantes e solitários das montanhas. Onde vários sons, rumores, ruídos e os cantos lamentosos dos pássaros são imitados e repetidos. Ela segue todas as pessoas que caminham próximo do seu lar e brinca livremente dando nova vida as vozes que vem de longe para visitá-la. Ela se sente feliz quando ouve as crianças brincando e sempre responde seus risos alegres, mas também as assusta com os arremedos fantasmagóricos que à noite faz ressoar.
Esse é o pesadelo vivenciado pela ninfa Eco, cuja maldição terrível transformou sua vida numa tristeza sem fim. As carnes do seu corpo se definharam e desapareceram inteiramente. Os ossos viraram rochedos e a única coisa que restou foi a voz. Antes da maldição, todos os deuses e mortais eram contagiados com sua energia festiva e encantadora.
Mas num belo dia Eco despertou ira e ódio de Hera (Juno), rainha dos deuses. Tudo porque a deusa ciumenta procurava exaustivamente seu promíscuo marido - Zeus (Júpiter) - que, escondido, se divertia com as jovens ninfas.
Porém, Eco tentou salvar a pele de Zeus e deteve a deusa possessiva com sua conversa, até que as amantes fugissem para algum lugar seguro. Hera, inconformada com a trapaça, amaldiçoou impiedosamente a tagarela ninfa. E disse que a partir daquele momento ela só repetiria a última palavra que seus ouvidos escutassem.
A ninfa caminhava pelo bosque se sentindo mutilada e, quando viu passar o belo Narciso, logo compreendeu que morreria se não conquistasse seu amor. A partir daquele instante ela precisava, ao menos, vê-lo todos os dias. Era um amor platônico, irrealizado e impossível. Mas ela insistia e sonhava que, em algum momento, eles poderiam se juntar e ter uma vida feliz. No entanto, Narciso foi cruel e desprezou a pobre ninfa. Então, Eco ocultou sua dor na solidão dos penhascos e montanhas, nas cavernas e bosques, no escuro profundo das florestas e fazendas.
Os dias foram passando e Narciso não dava a mínima para o amor verdadeiro de Eco. Várias ninfas que também se apaixonaram e foram rejeitadas por ele desejaram que os deuses o punisse. A furiosa ninfa castigou completamente Narciso, fazendo ele sentir o gostinho da ânsia de uma paixão não correspondida. Assim, Narciso inicia um louco amor por si mesmo.
Certo dia, cansado e com sede depois da caça, ele curvou-se sobre a fonte para beber. Mas se surpreendeu ao ver, através da água, aqueles olhos que encontravam aos seus. Ele sorria e os lábios correspondiam e se entreabriam noutro sorriso. Ele erguia os braços e a imagem repetia o gesto. Por fim, o presunçoso deus tentou agarrar e beijar aquela incrível criatura. Mas foi tudo em vão, pois aquele ser era seu próprio reflexo. E assim, depois de vários dias sem comer e dormir, sua alma mergulhou para o reino de Plutão – deus dos mortos. As ninfas vingativas procuraram em todos os cantos o odioso corpo – prepararam até uma pira funerária com suas próprias mãos. Antes que isso acontecesse, o deus do Olimpo transformou o belo jovem numa flor branca, do qual recebeu o nome de Narciso.

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Muitas vezes relembro aquele dia

Em que fui despertada a vez primeira

Do meu sono profundo. Sob as folhas

E as flores, muitas vezes meditei: Quem era eu? Aonde ia? De onde vinha?

Não distante de mim, doce ruído

De água corrente vinha. De uma gruta

Saía a linfa e logo se espalhava

Em líquida planície, tão tranqüila

Que outro céu tranqüilo parecia.

Com o espírito incerto caminhei e fui

Na verde margem repousar do lago

E contemplar de perto as claras águas

Que eram, aos meus olhos, novo firmamento.

Ao debruçar-me sobre o lago, um vulto

Bem em frente de mim apareceu

Curvado para olhar-me. Recuei

E a imagem recuou, por sua vez.

Deleitada, porém, como que avistava

Novamente eu olhei. Também a imagem

Dentro das águas para mim olhou,

Tão deleitada quanto eu, ao ver-me.

Fascinada, prendi na imagem os olhos

E, dominada por um vão desejo,

Mais tempo ficaria, se uma voz

Não se fizesse ouvir, advertindo-me:

"És tu mesma que vês, linda criatura."

Paraíso Perdido, Livro IV

John Milton



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