Andarilhos virtuais...

20 de agosto de 2008

O enigma



Tela: Salvador Dali

Meu silêncio foi guardado durante dois dias. Na manhã seguinte resolvi abrir os ouvidos, se bem que ainda me mantive calada. Claro que havia coisas esquisitas acontecendo. Entretanto, fingi que tudo isso era coisa da minha imaginação. De repente, senti uma mãozinha fria tocando a ponta dos meus dedos e, quando ouvi cada frase pronunciada, um gelo foi rompido do meu peito.
O anão estava sentado do meu lado e cochichava, zombeteiro, sobre a solidão que invadia todo o ambiente:
- O silêncio, às vezes, nos tiraniza. Mas, na verdade, nos encontramos apenas sós e não sozinhos - pronunciou o presunçoso anão.
- Eu me sinto tão sozinha - pensei.
- Eu também tenho dessas coisas, mas logo ali na frente tem um portal. Dizem que para chegar até ele é preciso percorrer um espinhoso caminho. Porém, a solidão não existe nesse lugar e a alegria é eterna - o anão disse todas essas palavras com um leve sorriso aveludado.
De imediato, confesso que o anão parecia um telepata. No entanto, achei melhor não acreditar nisso. Porque é impossível alguém adivinhar com tanta convicção o que passa na cabeça do outro.
- Bom, Jocasta, o que eu tenho a te dizer é que adivinhar os pensamentos não é uma tarefa impossível - afirmou o anão.
Meus olhos se arregalaram de tanto espanto. Então, passei a suspeitar dos meus próprios pensamentos, que procuravam insistentemente me morder.
- Jocasta? De onde você tirou isso? - perguntei enraivecida.
O anão em vez de rir, uivou igual aos cães que acreditam em fantasmas.
Nesse momento, um calafrio medonho percorreu minha pele. O silêncio reinou novamente naquele lugar e o anão desapareceu - como se fosse uma poeirinha cósmica no espaço.
Intrigada, fiquei me perguntando quem seria Jocasta. E uma voz baixinha me respondeu telepaticamente:
- Jocasta era casada com o rei de Tebas, Laio, e mãe de Édipo. Laio recebeu um aviso de um oráculo de que deveria matar seu filho recém-nascido, pois o garoto representava perigo para sua vida e seu trono. Então, o rei entregou a criança para um pastor e ordenou que ele a matasse. No entanto, o pastor, tomado por compaixão, não teve coragem de tirar a vida do pobre menino. Mas, não querendo desobedecer por inteiro a ordem imposta, resolveu amarrar a criança pelos pés deixando-a pendurada num galho de uma árvore. Um camponês encontrou a criança de cabeça para baixo e levou para seus patrões. O casal adotou o menino, que recebeu o nome de Édipo.
Muitos anos depois, Édipo mata seu pai biológico por engano. Isso porque Laio passeava numa estrada muito estreita. Um jovem, que também conduzia um carro, atrapalhava o trajeto do rei. Laio ordenou que aquele estranho se retirasse do meio do caminho. O jovem desobedeceu e o servo do rei matou um dos cavalos do garoto. Furioso, Édipo mata o servo e o rei Laio. Desde então, Édipo se tornou assassino involuntário do próprio pai.
Na cidade de Tebas existia uma criatura horrenda que assustava toda a população. O monstro tinha corpo de leão e cabeça de mulher. Ele aterrorizava todos os viajantes que passavam pelo caminho. A criatura deixaria os viajantes passarem sãos e salvos só se eles decifrassem o enigma.
No entanto, Édipo não se deixou intimidar e aceitou o desafio. Então, a Esfinge sentada no alto do rochedo, perguntou:
- Qual é o animal que de manhã anda com quatro pés, à tarde com dois e a noite com três?
Astuciosamente, Édipo responde:
- É o homem. Ele engatinha na infância, anda ereto na juventude e precisa de bengala para caminhar quando chega a velhice.
A Esfinge ficou tão envergonhada que se matou pulando do alto do rochedo. Como prêmio, a população de Tebas fez de Édipo rei da cidade. E a rainha Jocasta se tornou sua esposa. Depois de alguns anos, Édipo resolve procurar um oráculo que revela o seu duplo crime. Pois além de ter matado involuntariamente seu pai, casou-se com a rainha, tornando-se marido da própria mãe. Quando Jocasta fica sabendo de tal revelação se suicida e Édipo, enlouquecido, arranca os próprios olhos.
Depois de ouvir essa trágica história, minha respiração ficou ofegante. Sozinha encontrei-me de novo e o zumbido do telepata já tinha evaporado. Não consegui desvendar o enigma - como fez Édipo. E a mensagem ilusionista ainda permanece oculta no meu abismo...


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