Sumi novamente. Desculpe. Bom, tenho uma explicação. Durante esse tempo desaparecida estive observando algumas aranhas. Não pense que sou estranha ou louca, mas eu realmente fiquei intrigada com a classe dos aracnídeos. Há mais ou menos dois meses, quando eu tomava meu banho tranquilamente, uma criatura com quatro pares de pernas, sem asas e antenas com corpo dividido em duas partes, parecendo dois feijões negros e na superfície ventral do abdômen existia uma bolota vermelha, lançou sua teia, que mais parecia uma seda de tão brilhante, e deslizou até a outra ponta da parede onde eu me encontrava. Meus olhos dançavam, acompanhando aquele animal invertebrado. E o que isso tem demais? Se para você é normal, para mim, não.
Ela era repugnante e, ao me encarar, com seus oito olhos, pude notar que a aranha não queria me agredir, mas continuar escorregando naquele fio transparente e firme. Até aí tudo bem. Terminei meu banho, troquei de roupa, me preparei para dormir quando, de repente, veio a ‘neura’. Pensei: E se aquela coisa peçonhenta resolver deslizar sobre minha pele à noite? Credo. Voltei correndo para o banheiro, armada com uma faca de mesa e... cadê a bicha? Ela havia desaparecido. Fechei a porta do meu quarto, coloquei um tapete tapando o buraco da porta, guardei todos os sapatos em suas caixas e tentei ficar tranqüila. Dormi. Acordei. Cochilei. As horas passavam e nada de eu pegar no sono.
Existe apenas uma coisa que me acalma nesses momentos: ler mitologia. E foi isso que fiz. Ao abrir o livro, mergulhei na história de Minerva, deusa da sabedoria, filha de Júpiter. Conta-se a lenda que Minerva saiu da cabeça do deus pronta para algum combate, pois estava revestida de armadura completa. Muito vaidosa, a deusa não aceitava que nenhum ser competisse com seus dons imortais. No entanto, uma garota se atreveu a fazer de Minerva sua adversária na arte de tecer e bordar. O material era de tamanha perfeição que a mortal transformava a lã bruta em macios cobertores, se assemelhando a nuvens.
A deusa não pôde conter o ódio e ordenou que a mesma parasse com aquela rixa. Fingindo não ouvir, a donzela continuou tecendo com habilidade. Minerva enlouqueceu e, bem do lado da mortal, colocou o fio no tear. Começou a bordar também um tecido. Porém, a mortal, cujo nome era Aracne, insultou a deusa com um bordado mostrando os principais erros dos deuses. Minerva admirou a arte, mas detestou a afronta. Segurou bem forte a cabeça da Aracne e fez com que a mesma se sentisse culpada e envergonhada por essa competição. A virgem não suportou a pressão e enforcou-se. Minerva, arrependida, desejou que Aracne voltasse a viver. Molhou-a com suco de acônito – planta venenosa utilizada na antiguidade para ungir as pontas das flechas antes de ir à caça – e rapidamente seus cabelos caíram, da mesma forma desapareceram os olhos e as orelhas. Seu corpo ficou pequeno como feijão e tão negro como piche, os dedos grudaram, transformando-se em patas, e sua cabeça encolheu. Tudo foi mudado, menos o seu dom de tecer. Pendurada com uma corda em volta do pescoço, Aracne morreu e ressucitou. Por ordem da deusa, Aracne deve permanecer para sempre a tecer seu fio suspensa nessa posição.
Por fim, o paradeiro da aranha no banheiro da minha casa ainda é um mistério. Ela poderia ser a Aracne que desfilava diante dos meus olhos com o seu dom eternizado pela deusa Minerva.